Guia de Redação e Conteúdo sem UX Writers, será que é possível?
Como construímos, sem pessoas de UX Writing, a Wanda — nossa Guia de Redação e Conteúdo

Esse artigo foi escrito por João Marques (Product Designer) e publicado originalmente aqui.
Tá aí um texto que já queria escrever há muito tempo. E antes de qualquer coisa, a proposta não é minimizar a importância e o valor de uma pessoa de UX Writing dentro dos times de design e das empresas, mas sim, tentar trazer uma ajuda para aqueles lugares que ainda não podem se “dar ao luxo” de ter uma pessoa dessas.
Querendo ou não, infelizmente ainda não temos uma cultura de especialistas dentro dos times de design em grande parte das empresas e, na maioria das vezes, nem a possibilidade de investimento em profissionais com este perfil e background. Mas calma. Isso não quer dizer que não se deva pensar e tentar trabalhar a “Cultura de Writing” — e nós designers temos um papel importantíssimo nessa empreitada.
Aqui na HeroSpark nós nos empenhamos e conseguimos fazer algumas coisas interessantes apenas com as pessoas generalistas que temos no time de design e de outras partes da empresa. Eu vou falar já já sobre isso, mas antes vou só dar uma contextualizada de como tudo começou.
Mas porque UX Writing?
Desde que conheci a disciplina de UX Writing me apaixonei e não consegui deixar de dar atenção e levantar a bandeira por onde passei. Ao meu ver, uma interface sem o conteúdo são apenas cores e formas. Aí você vai falar: “Ah João, mas um quadro, uma pintura, não tem textos em sua grande maioria”. Sim. Concordo totalmente, mas trata-se de uma obra interpretativa e que mesmo com a proposta da pessoa que criou aquela obra, sem que haja contexto, ela se abre para a interpretação individual de todas as outras. Eu acredito que esse não seja o intuito de grande parte das interfaces e dos produtos digitais, correto?
Sem querer polemizar, mas apenas trazendo uma reflexão simples, vamos pegar como exemplo uma interface de um banco digital. Imagine uma tela onde a pessoa usuária precisa consultar o saldo, mas que não tem informações como valores e outras variáveis. Essa UI vai ser muito provavelmente apenas formas geométricas e cores. Já essa tela sem a UI e apenas com os textos (copys) vai permitir que a pessoa usuária, tendo algum tipo de deficiência ou não, consiga consultar seu saldo.
Personagens do desenho Rick and Morty com uma cara de surpresa, exceto pelo Rick. — Gif retirado do site Giphy.
Tá, mas para que isso tudo? Para mostrar alguns dos argumentos que utilizamos para vender a importância de se pensar no conteúdo / writing, não apenas dentro do time de design, mas para toda a empresa. Mas como fazer isso sem uma pessoa especialista em UX Wrtiting? O que vocês fizeram? Sozinhos? É apenas uma função do time de design? Qual foi e está sendo o resultado? Essas são algumas perguntas que gostaria de tentar responder com o trabalho que eu e outras pessoas maravilhosas estamos desenvolvendo aqui na HeroSpark.
Como fazer isso sem uma pessoa de UX Writing?
A primeira coisa foi levantar essa bandeira e sua importância para o time de design e, com isso, até encontrar mais pessoas que estivessem dispostas e interessadas em auxiliar nessa caminhada. Dessa forma, eu e mais duas pessoas do time na época, Luciana Martins e Mariana Silva, começamos a conversar e falar mais sobre como poderíamos dar os primeiros passos pensando em UX Writing.
“Não é apenas sobre palavras, mas sobre falar com pessoas”.
Já existia — e ainda existe — um posicionamento da liderança do time de que precisamos de uma pessoa especialista, porém não tínhamos e ainda não temos uma previsão de quando isso pode acontecer. E com isso trago outra reflexão: será que temos que esperar termos pessoas especialistas para falar e trabalhar disciplinas tão importantes no processo de design? Na minha humilde opinião, não. Mas isso deve ser feito de forma planejada, embasada e cooperativa.
Além disso, isso aborda um ponto muito importante, que é o de que mesmo se tendo pessoas especialistas e de operações (OPS) dentro dos times, aquelas pessoas que desejam seguir como generalistas podem e devem ter uma visão de todo (big picture), de todas as etapas, como writing, acessibilidade, research, UI e não apenas contribuir, mas serem detentoras e multiplicadoras desses conhecimentos.
Rick, personagem do desenho Rick and Morty com a legenda “I needed this” (Eu precisava disso) — Gif retirado do site Giphy.
Dessa forma, a sugestão é mapear pessoas que têm interesses em comum sobre o assunto e organizar momentos para discussão dessas pautas, sejam em iniciativas, grupos, ou até mesmo Guildas, onde não apenas pessoas da área de design, mas de toda a empresa, possam contribuir para a construção destes projetos.
É apenas uma função do time de design?
A resposta para essa pergunta é simples. Não! Muito pelo contrário. Pensar em writing e conteúdo permeia todas as estruturas e posições de uma empresa, afinal é o que dá contexto e torna toda experiência da pessoa usuária possível, seja com um site, plataforma, sistema, aplicativo, chat ou bot.
Dessa forma, e não podendo ser diferente, nada mais certo do que uma Guilda com representações de diferentes áreas da empresa, participando e contribuindo para a construção de um padrão de writing e conteúdo. Foi bem essa a receita que a gente seguiu por aqui e por onde tudo começou. Tentamos reunir pessoas de áreas como atendimento, marketing, produto, gestão de pessoas e experiência do cliente (CX).
Por onde começar?
Além de buscar e procurar conversar com pessoas e áreas diferentes, por aqui descobrimos uma outra iniciativa que estava sendo tocada pela área de marketing / conteúdo, mais especificamente a Larissa Oliveira e a Maria Caerre, que era a padronização e construção da voz da marca (Brand Voice) — um item essencial na construção de um Guia de Redação e Conteúdo. Em nossa primeira conversa já ficou claro o quanto poderíamos conseguir e avançar trabalhando em conjunto.

Tela retirada de um board no Miro com a documentação do Brand Voice da Hero.
Agora sim. Pessoas que deveriam estar envolvidas? Confere. Apoio dentro dos times para construção de um guia? Confere. Não saber qual o próximo passo? Confere. Apesar da piada, tudo certo quanto a isso e no começo é assim mesmo.
Mas aí vocês devem querer saber o que fizemos a partir disso, certo? E eu respondo: nada de diferente. Apenas continuamos conversando. E não foi conversando com quaisquer pessoas, nós fomos atrás de referências do mercado para pegarmos dicas e ideias de como poderíamos avançar, tanto no trabalho com a Guilda, quanto na construção do que viria a se tornar a nossa Guia.
Uma Guia de Redação e Conteúdo do zero
Nossa primeira parada foi em uma conversa incrível com a Paula Völker, UX Writer no time de OPS do Banco Carrefour e uma das fundadoras da comunidade UX Writers BH. A ideia de conversar com a Paulinha foi não apenas por ser uma das pessoas referência da área, mas muito no intuito de aprender como foi o processo e a experiência dela na criação de um Guia de Redação e Conteúdo do zero.
Uma coisa é certa: não existe receita de bolo quando falamos sobre construção de guia de redação. É como aquela máxima do UX, o famoso “sempre depende”, pois cada empresa, cada organização é única e possui uma história. — Paula Völker
A conversa não poderia ter sido diferente. Além de superar as expectativas, ela ajudou a direcionar os nossos passos e a arquitetura da nossa Guia, além de trazer dicas importantíssimas para a nossa jornada em outros momentos além dessa conversa.
Inclusive, para quem se interessa pelo assunto, a Paulinha também construiu um repositório sensacional sobre UX Writing e tudo aquilo que faz interseção com essa disciplina.
Primeiro fomos fazer a famosa pesquisa com um bench, indo atrás de outras empresas que já tornaram seus guias públicos, e analisando quais conteúdos e estruturas também faziam sentido dentro do nosso contexto aqui da Hero, e isso foi importantíssimo para a construção da nossa arquitetura. Depois disso fomos à validação dessa arquitetura de conteúdo, afinal, não poderíamos esquecer de envolver as outras pessoas e áreas da Guilda. E esse foi um primeiro grande sucesso.
Agora, com todos os itens listados, dividimos o que seria da responsabilidade de cada pessoa da Guilda e iniciamos o trabalho. Boa parte desse conteúdo já estava contemplado no “Brand Voice” e apenas fizemos uma revisão de acordo com o que estava sendo proposto para a Guia.

Tela retirada de um board no Miro com a documentação de arquitetura do que viria se tornar a Guia de Redação e Conteúdo.
Como engajar o time de design e outras pessoas da empresa?
Deste ponto em diante, foram cerca de três meses até finalizarmos a nossa primeira versão da Guia, até então sem nome. Mas já era uma entrega bem robusta, completa e embasada, principalmente levando em consideração a falta de pessoas especialistas trabalhando na linha de frente.
Continuando nossa busca por conhecimento e entendimento de boas e melhores práticas neste contexto, nosso segundo intercâmbio externo foi com ninguém menos que a Ludmila Rocha, UX Writing Head na PicPay, e uma das primeiras aqui na nossa terrinha a construir e contribuir para a comunidade com a versão pública do Guia de Redação da Conta Azul.
Já com a Lud o foco da conversa foi principalmente entender como repassar o valor e a importância de uma Guia de Redação e Conteúdo, assim como a disciplina de UX Writing, para o time de design, como também para outras áreas da empresa, além das formas de testar e metrificar de alguma maneira o que está sendo entregue.

Tela retirada da reunião realizada do Google Meeting com a Ludmila Rocha e pessoas do projeto.
Dentro de uma Guia, temos tópicos importantes e que devem estar alinhados com os propósitos e valores da empresa, não sendo apenas um material com diretrizes e regras gramaticais. Uma de nossas propostas desde o início era de que a Wanda fosse um apoio para todas as pessoas da empresa, e um espaço de aprendizado, até porque ninguém sabe ou deve saber tudo.
No nosso caso, trouxemos alguns tópicos importantes como acessibilidade e linguagem neutra, aproveitando para inserirmos essas pautas dentro da empresa e dos contextos nos quais nos propomos a sempre tentar oferecer uma melhor experiência para as pessoas usuárias.
Depois das conversas com essas profissionais sensacionais, e com a construção da nossa primeira versão da Guia, nos sentimos mais do que preparados e preparadas para avançarmos para a segunda etapa: apresentar para os C-Levels, outros stakeholders e também para empresa. Foi aí que nasceu a Wanda.

Tela retirada do Power Point criado para apresentação Guia de Redação e Conteúdo para empresa.
Quem é a Wanda?
Vocês devem estar se perguntando quem é Wanda? Wanda é nossa Guia de Redação e Conteúdo, mas ela não tinha essa identidade desde o início.
Depois de todo o trabalho de arquitetura e construção de conteúdo para a nossa Guia, chegava a hora de validar com os C-Levels e outros stakeholders, dando não apenas uma apresentação de todo o planejamento e construção daquele material, mas sempre argumentando quanto aos benefícios que seriam entregues para a empresa e principalmente para nossas pessoas usuárias. Isso casou muito bem com outras iniciativas que estavam acontecendo em paralelo na Hero, como a de CX.
Com esta validação, conseguimos o espaço para apresentar nossa Guia em uma agenda semanal para toda a empresa. Porém, não queríamos que fosse apenas mais um material em que as pessoas se sentissem na obrigação de utilizar, mas sim que elas se identificassem e enxergassem como parte daquele projeto, realmente como defensoras da sua concepção e utilização. Mas, como fazer isso?

Tela retirado do chat no Slack onde foi feita a abertura e explicação de votação do nome da Guia de Redação e Conteúdo.
Depois da apresentação feita para a empresa, abrimos a opção de sugestão de um nome para a Guia de Redação e Conteúdo e, logo de cara, tivemos uma grata surpresa: um grande engajamento não apenas nas sugestões, mas também no segundo momento que foram os dias de votação. A única regra é que fosse um nome de super-herói ou heroína, seguindo os padrões que já utilizamos na empresa — até então tínhamos apenas nomes masculinos. Mas, felizmente, a mais votada foi o nome de uma mulher, Wanda!
Na semana seguinte, aproveitamos a reunião semanal da empresa para revelar a identidade da nossa Guia, e também contar quem fez a sugestão de nome. Isso ajudou muito a reforçar a participação e o envolvimento das pessoas, além de plantar a primeira semente nessa cultura de ux writing / conteúdo, até então inexistente.

Tela retirada do PPT com a revelação do nome da Guia de Redação e Conteúdo para empresa.
Mas acaba por aí?
Com 110% de certeza, posso afirmar que estamos apenas iniciando nossa jornada. Nossos próximos passos estão sendo planejar, organizar e difundir esse conteúdo de forma geral e também específica, para todas as pessoas e áreas da empresa. Uma outra estratégia é a de demonstrar para cada área como a Wanda pode impactar em seu dia a dia de forma positiva e que ela tem o intuito de melhorar as entregas e a experiência dos e das clientes.
Da parte de design / produto, estamos fazendo um levantamento de todos os textos (copys) que temos no produto. Nós também iniciamos o hábito de consultar a Wanda sempre que necessário durante a atuação em projetos e de revisar o conteúdo de outras pessoas do time, checando se estão de acordo com suas diretrizes. Além disso, existe uma iniciativa de replicar os conteúdos da Guia no formato de drops para o time nos encontros de Chapter.

Tela retirada do repositório da HeroSpark, onde foi criada a Guia de Conteúdo — Wanda. Ainda não está aberta ao público em geral.
Uma Guia de Redação e Conteúdo, assim como um Design System, é um produto, uma forma viva e que sim, vai mudando de acordo com o tempo e as necessidades da empresa e dos produtos, mas sempre com o foco em dar escalabilidade, qualidade e consistência. Portanto o primeiro aprendizado é que a Guia sempre deve ser revisitada e revisada, se adaptando as novas iniciativas, áreas e funcionalidades dos produtos de forma recorrente.
Outro passo importante que esperamos dar em 2022 é o de tornar a Wanda um material de consulta aberto para comunidade, juntamente com nosso Design System e assim retribuir o que outras empresas fazem ao compartilhar este material com a comunidade.
Resumindo, não é preciso esperar ter pessoas especialistas em seus times para começar a dar os primeiros passos, ou até mesmo criar, uma primeira versão de uma Guia de Redação e Conteúdo. Como contei por aqui, para começar basta querer e encontrar pessoas para te apoiar nessa empreitada.
Time de pessoas responsáveis pelo projeto

Ficou com alguma dúvida, quer tomar um café para falar sobre isso ou jogar conversa fora? É só mandar uma mensagem pra qualquer uma dessas pessoas incríveis e bora lá!
E obrigado por seu tempo e por ter lido até aqui! ❤